Projectos de Resolução
Data: 21 de September de 2004 14:52
Projecto de Resolução n.º 255/IX
Recomenda ao Governo a tomada de medidas com vista ao desenvolvimento do Software Livre em Portugal
1. O software desempenha, cada vez mais, um papel fulcral nas actividades administrativas, políticas e económicas. Como tal, é essencial garantir que estas actividades fundamentais para o desenvolvimento e soberania do país não estejam sujeitas a monopólios de entidades privadas e que seja possível garantir a independência do estado face a formatos proprietários e de fornecedores de software, os quais podem encerrar ou descontinuar o software a qualquer altura.
2. O conceito de Software Livre assenta em quatro principios de liberdade fundamentais para o utilizador, definidos pela "Free Software Foundation" da seguinte forma:
A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito.
A liberdade de estudar o funcionamento de um programa e de adaptá-lo às suas necessidades.
A liberdade de redistribuir cópias.
A liberdade de melhorar o programa e de tornar as modificações públicas de modo que a comunidade inteira beneficie desse aperfeiçoamento.
O acesso ao código fonte é essencial para tornar possíveis estas quatro liberdades.
3. O Software Livre, enquanto garantia de acesso ao código fonte original, não só permite esta independência como traz poupanças significativas se utilizado na administração pública, pois não se encontra dependente do pagamento de licenças para a sua utilização. Permite também verificar, de forma inquestionável, se o software efectua de facto apenas as tarefas para as quais foi desenhado, não contendo nenhuma função oculta que possa colocar em causa a soberania ou a economia nacional.
4. É essencial para o bom funcionamento do Estado a interoperabilidade entre as diversas aplicações informáticas, sendo essencial garantir que as mesmas não estejam dependentes de formatos proprietários de empresas privadas. A iniciativa da comissão europeia para a troca electrónica de informação entre as administrações (IDA) dá especial relevância à utilização do Software Livre nesta actividade, tendo inclusivamente criado um observatório para o Software Livre.
5. O programa da União Europeia "eEurope 2005" recomenda a utilização de software de fonte aberta em diversos sectores, nomeadamente o e-government.
6. Conjuntamente com a adopção pela administração pública, é também desejável incentivar as empresas privadas a utilizar este modelo de software, como forma de dinamizar a economia nacional e tornar a mesma independente de monopólios privados.
7. O Software Livre é uma fonte de trabalho para os programadores de software portugueses, bem como para as micro, pequenas e médias empresas informáticas portuguesas, não só a nível do desenvolvimento de software mas também no acompanhamento e assistência técnica destes e de outras aplicações, que sigam a mesma filosofia de implementação e distribuição.
8. A adopção do Software Livre pela administração pública central e local só será possível se forem criadas as condições materiais de formação, suporte e apoio que permitam a transição entre o modelo actual do software proprietário para o modelo de Software Livre, e não através da imposição da mesma por decreto.
9. A utilização do Software Livre no ensino permite não só a redução de custos na utilização das tecnologias de informação, como também o acesso a informação detalhada sobre a forma de funcionamento do software utilizado pelos estudantes das áreas das tecnologias de informação, garantindo uma igualdade de oportunidades no seu acesso, não estando o estudante obrigado a pagar uma licença para a sua utilização fora do meio escolar. Evita também que o estudante se torne num mero operador de uma qualquer aplicação de uma qualquer empresa multinacional, mas sim num verdadeiro quadro técnico, factor essencial para o desenvolvimento do país.
10. O Software Livre permite uma fácil tradução para português de programas já existentes, não estando essa tradução dependente da vontade de empresas fornecedoras, nem limitado por qualquer tipo de licenciamento.
Assim, tendo em consideração os motivos acima expostos, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo a concretização das seguintes medidas:
1. Elaboração de um "Livro Branco do Software Livre em Portugal", que proceda, entre outras vertentes, à avaliação do quadro actual, levantamento de experiências em curso e à definição de cenários e linhas de intervenção.
2. Desenvolvimento de um programa de definição e enquadramento de projectos-piloto para a utilização de referência de Software Livre na administração pública, designadamente no âmbito da Unidade de Missão para a Informação e Conhecimento (UMIC) e dos ministérios da Cultura, da Educação e da Ciência e Ensino Superior.
3. Criação de um serviço de apoio, no quadro da UMIC, para suporte técnico à implementação de soluções Software Livre na adminstração pública.
4. Integração da vertente Software Livre no âmbito dos incentivos e programas de apoio à modernização administrativa das autarquias locais, incluindo, designadamente, apoio técnico, logístico e de formação.
5. Estabelecimento da obrigatoriedade de acesso ao código-fonte e especificações dos formatos de dados na aquisição de soluções informáticas destinadas à utilização pela administração pública e outras entidades do estado, para o exercício de funções de soberania e outras áreas de importância estratégica.
6. Desenvolvimento de uma "biblioteca on-line" que sistematize e actualize informação sobre o acervo de soluções e aplicações em Software Livre, com destaque para as existentes em língua portuguesa.
7. Adaptação dos diversos centros de recursos para as tecnologias da informação, no quadro da rede escolar pública, com vista à disponibilização obrigatória de soluções em Software Livre a estudantes e pessoal docente.
8. Inclusão da matéria relativa ao Software Livre na definição dos vários currículos e programas para o ensino das tecnologias da informação no ensino básico e secundário, identificando nesses currículos e programas referências actualmente existentes a marcas e produtos do software comercial, com vista à sua obrigatória substituição por correspondentes descrições genéricas.
9. Estabelecimento de bolsas de investigação e programas de apoio a projectos de investigação e desenvolvimento; à tradução para a lingua portuguesa (vertendo para o português a terminologia técnica e científica envolvida); e à aplicação de soluções em Software Livre, no âmbito do ensino superior e instituções de investigação científica.
10. Integração da vertente Software Livre nos programas de incentivo e apoio à conversão tecnológica das empresas, com destaque para as micro, pequenas e médias empresas; bem como no âmbito das iniciativas de divulgação das tecnologias da informação para o movimento associativo (juvenil, cultural, desportivo, recreativo, etc.).
Assembleia da República, 26 de Maio de 2004
Projecto de Resolução n.º 254/IX
Contra as patentes de software na União Europeia. Em defesa do desenvolvimento científico e tecnológico
1. Está actualmente em curso na União Europeia o procedimento de co-decisão relativo à proposta de Directiva Comunitária sobre a patenteabilidade dos inventos que implicam programas de computador, vulgo software. Após a votação, em primeira leitura, da proposta de Directiva em sede de Parlamento Europeu, realizada a 24 de Setembro de 2003, segue-se agora o desenrolar do processo de discussão e negociação junto da Comissão e do Conselho. Neste âmbito, caberá um especial papel aos representantes dos estados-membros, quanto à definição de uma proposta final de Directiva.
2. As alterações produzidas pelo Parlamento Europeu permitem clarificar o contributo técnico para que os inventos que implicam software possam ser patenteáveis. No entanto, esta Directiva aprovada em primeira leitura admite, por exemplo, a patenteabilidade de um algoritmo "na condição de esse método ser utilizado para solucionar um problema técnico", mantendo a ideia de que o "carácter técnico" pode configurar "um invento patenteável" e realçando a suposta "importância da protecção por patente". O que na prática significa manter a abertura às patentes de software.
3. O sector do desenvolvimento e produção de Software enfrenta hoje um crescente conjunto de desafios, no plano económico, científico, cultural, que mais do que nunca colocam na ordem do dia a urgente necessidade de promover uma dinâmica de inovação, livre das lógicas de concentração monopolista das quais o sistema de patentes actualmente dominante constitui exemplo flagrant.e
4. A prazo, coloca-se o perigo real de as patentes sobre software se revelarem, não um incentivo à inovação e desenvolvimento, mas um verdadeiro obstáculo à produção e comercialização de programas, para todas as micro, pequenas e médias empresas que não têm milhares de patentes registadas o que suscita o problema da submissão da "indústria" da produção técnica às lógicas da "indústria" do registo e comercialização de patentes. A título de exemplo, refira-se o caso da empresa líder mundial de patentes nesta área a IBM que entre 1993 e 2002 adquiriu 22 mil patentes, das quais veio a extrair cerca de dez mil milhões de dólares em receitas de licenciamento (em larga medida, através de contencioso judicial).
5. A própria Comissão Federal do Comércio dos EUA, assim como a Academia das Ciências daquele país, já em 2003 exprimiram fundadas preocupações quanto à exagerada proliferação de patentes, registando assumidamente um constrangimento ao desenvolvimento de forças produtivas daí decorrente que neste caso ameaça vir a instalar-se também na Europa, criando uma situação insustentável para a grande maioria das empresas deste sector.
6. Na sequência da votação de 24/09/2003 no Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros da União Europeia mandou elaborar um "livro branco" para que a matéria seja reexaminada pelo Parlamento, onde se defende designadamente que algoritmos matemáticos e métodos de gestão atribuídos pelo Gabinete Europeu de Patentes sejam (contra a letra e o espírito da legislação em vigor) automaticamente invenções patenteáveis; que o uso de protocolos patenteados e de formatos de ficheiros para fins de interoperabilidade sejam ilegais, assim como a publicação em linguagem formal num servidor da Internet da descrição de uma ideia patenteada; etc. Propostas que testemunham bem a força dos grandes interesses económicos e as grandes pressões exercidas sobre os órgãos da União Europeia.
7. Pela parte do Estado Português, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial é o organismo oficial que, a par dos organismos congéneres na maioria dos países europeus, tem vindo a elaborar a política sobre patentes e a pronunciar-se em nome do Estado Português no âmbito do referido processo em sede comunitária. Com efeito, a prática do INPI nestas (e noutras) matérias tem sido basicamente a de participar na transposição da jurisprudência emanada pelo Gabinete Europeu de Patentes, sujeitando essas propostas a processos meramente formais de consulta pública, que têm ficado aquém da participação, representatividade e credibilidade que uma matéria como esta exige e merece.
8. Na fase actual deste processo, impõe-se que Portugal, enquanto estado-membro da União Europeia, assuma, nos vários níveis e sedes de discussão desta matéria, uma posição activa e firme designadamente, com a intervenção do Governo no quadro do Conselho Europeu, bem como a participação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Patentes do Conselho.
9. A Convenção sobre a concessão de patentes europeias, assinada em Munique a 5 de Outubro de 1973, determina que «os programas de computador, em conjunto com as descobertas, teorias científicas, métodos matemáticos, criações estéticas, esquemas, regras e métodos de execução de actividades intelectuais, jogos ou actividades comerciais, assim como exposições de informação, são expressamente não considerados inventos, sendo, por isso, excluídos da patenteabilidade», concepção que não pode nem deve ser posta em causa pelo actual processo de discussão da patente comunitária.
10. A questão central que está em causa neste processo, e nesta proposta, prende-se com a consideração que é urgente recusar de que o saber humano, a descoberta científica, o invento de uma nova solução ao nível da programação informática, sejam domínios tratados como mercadoria, patenteáveis e comercializados numa lógica de mercantilização da própria vida.
Assim, tendo em consideração os motivos acima expostos, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que assuma em sede do Conselho Europeu, uma posição clara de recusa face à perspectiva de consagração das patentes de software, em defesa do desenvolvimento humano, rejeitando e combatendo a mercantilização do saber.
Assembleia da República, 26 de Maio de 2004